sexta-feira, 24 de maio de 2013

Comentários e discussões sobre O Cortiço e a Carne.



Comentários e discussões sobre O Cortiço (Aluisio Azevedo) e A Carne (Julio Ribeiro).

Seguindo a ordem das leituras, comecei pelo que mais agradou: O Cortiço. Como é bom reler um clássico. Os clássicos são aqueles livros dos quais se ouve dizer: “estou relendo ... e nunca estou lendo ...” você tem sempre uma nova leitura e a história de Bertoleza e João Romão transcende o tempo e é super atual.
Fui transportada para o morro do Alemão, coincidência com a novela Salve Jorge da rede Globo? Pode ser, mas eu também adoro viajar na imaginação.
Bertoleza acredita cegamente em João Romão e lhe dá todas as suas economias em troca de sua alforria. Trabalha para ele de sol a sol, tornando-se sua escrava e amante, a famosa mulher-objeto. Quando esta não lhe é mais útil, João a despreza, procurando um casamento mais vantajoso com a filha de Miranda.
O livro mostra quantos canalhas podemos encontrar vida afora e o que a ironia do destino nos reserva. Este mesmo livro, como disse Lucimar: “cheio de força feminina”, mostra a nós mulheres que não devemos nos descuidar nunca. É o DETERMINISMO, teoria segundo a qual o homem é o que é pelo meio que vive e isso explica suas decisões e comportamentos.
 É isso mesmo, falo de nós, mulheres, não de mães zelosas, donas de casa cuidadosas. Falo do nosso lado feminino. Está difícil ser “Amélia”?  Mas vamos ter que enfrentar como diz Marinês: “Trabalhar fora, cuidar da tarefa do filho, bater um bolo e ainda ser mulher.” Avante, nós conseguiremos. È preciso não deixar que a fraqueza tome nosso estado de espírito e nos leve a um final ingrato como o foi de Bertoleza. Ao descobrir sua falsa carta de alforria, sem dinheiro e sem amor, Bertoleza dá fim a própria vida.
João Romão suporta todo tipo de provação para ascender socialmente. Seus meios para este fim era mentir, roubar, explorar os outros, aproveitar dos trabalhadores e de Bertoleza. Não vamos nos esquecer que tipos assim, que roubam, aproveitam da ingenuidade do outro e se apoderam de suas riquezas na maior cara dura, o mundo está cheio. Gente com este tipo de talento sai da ficção, está a toda hora cruzando nosso caminho, é preciso ficar atento.
E temos também a ironia do autor, muito bem lembrado por Rayc. Quando os policiais entram na casa de João Romão para requerer a suposta escrava “Fugida”, os abolicionistas entram na sala para dar a Romão uma espécie de premio, um diploma de sócio benemérito. Eta vida besta.
E contamos com a admiração de Fabiano que ao contar aos avós que soube que O Cortiço, ele mesmo é um forte personagem, com vida própria, que acorda, agita, trabalha encantou não só a essa criança de 11 anos, mas a todos nós. Mostrando-nos uma nova perspectiva.
A Carne, oh livro para deixar a gente nervoso. Você não sabe se o final é romântico ou naturalista, afinal como disse Rayc, Barbosa era bem grandinho pra enfrentar seus problemas e não tomar veneno no final.  Porém, temos a perspectiva da Marinês: somente após ter cometido suicídio, Barbosa foi capaz de reconhecer o verdadeiro amor: o dos pais.
O suicídio é visto como fraqueza sem precedentes. Para Bertoleza, talvez fosse viável, negra, com uma falsa carta de alforria, suas perspectivas eram muito poucas, mas Barbosa, um homem criado, cheio de amantes, divorciado é o fim.
Ainda assim me pareceu um final romântico como em Os sofrimentos do jovem Whether de Goethe. Era este o livro que eu queria me lembrar e não conseguia de jeito nenhum. Embora o tempo todo você perceba o amor animal. O amor de Lenita e Barbosa é um como estar no cio. Você é capaz de sentir o amor carnal dos dois e aí você não consegue deixar de ler até o final mesmo se decepcionando. Lenita cai do salto, se vê sozinha e grávida. Naquela época o que lhe restaria? Correr atrás de um marido que a quisesse, como fez, ou cair na prostituição? Afinal em 1888, o que restaria a uma mulher?
A Carne é um hino “zolista” com exageros da paixão, brutalidade das criaturas, grosseria das palavras e dos gestos. É os 50 tons daquela época, do século XIX, uma obra comprometida pelo tom escandaloso e atrevido, exuberantemente selvagem.
É isso, e assim partimos para nossos próximos livros: Germinal de Émile Zola e o conto de Edgar Allan Poe, Assassinatos na Rua Morgue.
 Até mais, Maria Auxiliadora.

Cardápio dos livros O Cortiço e A Carne

Pensar em um cardápio que combine com as histórias que lemos não é fácil. Primeiro temos que pensar em nossa despensa e também se nossos supermercados tem o que precisamos. Mas no fim tudo dá certo. Combinando ou não, o importante como diz a Marinês é sempre fazer com carinho aos amigos ou à família. Eis o cardápio da discussão de O Cortiço e A Carne.
Feijão tropeiro
500 g de toucinho para torresmo (como não encontrei, substitui por 200 g de bacon)
500 g de feijão de corda (de molho por 3h)
2 folhas de louro
Sal a gosto
Cebolinha e coentro picados
1 grande cebola picada
2 dentes de alho amassados
1 tomate grande picado
6 colheres de azeite
2 xícaras de chá de farinha de mandioca
1 maço de couve-manteiga
1 k de lingüiça de porco fininha cortada na diagonal, 2 ovos cozidos picados
2 pimentas dedo de moça (opcional)
Preparo:
Escorra a água do feijão, lave e cozinhe na pressão com água e louro por no máximo 30 minutos. Os grãos devem ficar firmes e inteiros. Corte o bacon e frite na própria gordura. Pique a lingüiça e frite na gordura do bacon. Lave as folhas de couve e corte em tiras finas. Numa frigideira coloque 3 colheres do azeite , e passe a couve já com sal.  Numa panela grande, junte o restante do azeite deite o alho, frite, junte a cebola, deixe dourar e o tomate.Sem parar de mexer junte a farinha e deixe torrar um pouco, coloque o feijão, a lingüiça, couve, cebolinha e misture. Por último o bacon e os ovos cortados em cubos.
 Moqueca de cação da Marinês:
1 kg de postas de cação(ou pintado)
3 tomates picados,sem pele(sementes)
1 pimentão vermelho,1 amarelo e 1 verde(pequenos) em pedaços.
1 cebola grande 
2 folhas de louro
camarões,se tiver (limpos)
1 vidro leite de côco
coloral ou açafrão( só prá dar uma coloração)
Azeite de dendê (a gosto)
Azeite de oliva (a gosto)
Temperos (desidratados-ervas)
Coentro e cebolinha (a gosto) e azeitonas pretas ou verdes .
Preparo:
Tempere as postas com pimenat- do- reino, limão, alho...(os camarões)
Frite as postas no azeite, coloque em camadas todos os ingredientes,o leite de côco...
Cozinhe por alguns minutos.
A cebolinha e o coentro por último, prá finalizar.
Quanto ao grande segredo, este todos podem ter: amor (muito amor quando for preparar qualquer coisa para servir aos amigos,a família...)
Sobremesa:
Bom-bocado da minha mãe
1 pacote de sococo
1 lata de leite moça
3 ovos inteiros
Preparo:
Bata tudo no liquidificador, encha forminhas de papel e coloque dentro das forminhas de empadas para assar. Mais ou menos 25 a 30 min de forno. Dá 12 bom-bocados.
Rabanadas:
1 bengala  (pão) amanhecida
Leite, leite moça 2 ovos.
Preparo:
Corte em fatias largas a bengala. Bata os ovos com 1 xícara de chá de leite, o leite moça. Passe os pães nessa misture e frite. Polvilhe açúcar e canela para servir.
Bon appétit.

terça-feira, 21 de maio de 2013

Papagaio come milho, periquito leva fama






“Ai, morena, não fui eu que dormi na sua cama
   Papagaio come milho, periquito leva fama.”
By Maria Auxiliadora


Comecei com este versinho porque acho que a comida Baiana leva mais fama que a mineira. Calma. Sou neta de baiano e adoro essa comida, não vim me desfazer de nenhuma delas. Mas investigar é preciso. Uma coisa é certa a comida baiana certamente encontrou vasto espaço pelo Brasil, mas acho que a mineira também tem sua identidade brasileira.
Na revista Gula (edição 242, 2013) no texto de Mauro Marcelo Alves, ele afirma que “quem viaja pelo país garante que a cozinha mineira está presente em quase todas as capitais.” Verdade seja dita, as duas encontram suas versões Brasil adentro.
De acordo com os estudos no livro 500 anos de sabor, no nordeste assim como em São Paulo as refeições no século XVII e XVIII eram à base de milho, mandioca e seus derivados. Assim, difícil dizer se a comida baiana ou apenas a mineira possa ser representante da comida brasileira. È que sendo o Brasil um país tão vasto e de tão diferentes relevos, esta cozinha baiana certamente não teria chegado ao centro do país tão facilmente.
O que quero dizer é que a comida levada pelos bandeirantes Brasil adentro para se chegar as famosa minas é provavelmente a mais brasileira de todas. Foram eles, os bandeirantes, que no lombo de burros e carregando mantimento que sobrevivesse àquela selva trouxeram a mais brasileira das comidas.
Até o final do século XVII, começo do século XVIII, o Brasil não passava, para os descobridores de um extenso litoral do qual ninguém se aventurava a deixar com medo dos índios e da selva.  Até que alguns portugueses começaram a se aventurar por conta própria, sem autorização de Portugal: nasciam as bandeiras.
 A primeira partiu de Piratininga, SP, 1602. Uma das mais famosas bandeiras, a de Raposo Tavares percorreu grande parte não só do Brasil, mas da América do sul, chegando até o Peru, já a bandeira de Nicolau Barreto, formada por índios, mestiços e brancos, chegou até o Paraguai e a Bolívia.
Mas, história a parte, vamos falar de comida. Lembramos isto porque queríamos decidir o cardápio da discussão dos livros O Cortiço e A Carne de Julio Ribeiro, dois representantes do naturalismo brasileiro.
No primeiro, a história se passa no Rio de Janeiro, no segundo em uma fazenda no interior de SP, Paranapanema. Em A Carne, quando há relatos de comida, estes são de caça. Nada feito, somos todos a favor do IBAMA, vamos preservar nossos bichos. No segundo, a cozinha brasileira tomou conta da Portuguesa e encheu a mesa no Cortiço, então nada mais justo do que preparar nossos quitutes.
Discussões aqui e acolá decidimos: juntamos a comida baiana, presente na mesa de O Cortiço e o feijão tropeiro, parte dos embornais dos bandeirantes e mineiríssimo por sinal.
A noite ficou por conta de uma moqueca (Baiana) de Cação em homenagem ao nosso nordeste, preparada pela Marinês, salada de agrião e laranja, arroz branco e feijão tropeiro (Minas), nada mais rural, em homenagem a São Paulo, Minas, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Sobremesa venceu a brasilidade: bolinho de fubá a Romeu e Julieta, bom-bocado a moda da minha mãe e os conterrâneos não podiam faltar: rabanadas, bem portuguesas. Tudo regado com muito carinho que é o melhor tempero.
Confira no próximo post as receitas dos preciosos quitutes.

domingo, 12 de maio de 2013

Dia das mães


DIA DAS MÃES.
Que falta de educação a minha. Esta semana dia das mães e nem postei “um feliz dia” mamães. Bem estou fazendo agora. Embora, sempre achei que dia das mães, não tem dia, ou seja, são todos.
Nunca ouvi meu filho gritar, PAI, PEGA ISTO PRA MIM, ONDE ESTA ISTO? É sempre MÃE< MÃE... Enfim, devemos mesmo ser especiais, algum tipo de anjo caído do céu ou expulso do Paraíso, de tanto fazer recomendação a algum santo.
- Santo Antonio, vai proteger algum namorado/a? Não esquece a blusa, meu filho.
- São Pedro, trancou as portas direitinho? Olha lá meu filho, depois não vai perder a chave e mamãe tem que ficar acordada até tarde te esperando.
Aí deve ter havido uma reunião no céu. Deus de tanto ouvir, disse;
- Está bem, meus filhos. Não fará mal algum, mamãe tirar umas férias.
Viram, é por isso que mãe tem o mesmo endereço: o céu. Mas nem por isto devemos deixar de homenageá-las. Não tendo mãe biológica viva, conto com minha vózinha que fez este ano 92 anos. Não fosse por ela, nem sei o que seria de mim. Até hoje, é ela quem me lembra de um montão de coisas com uma precisão de dar inveja.
Mamães, biológicas ou não, avós, todas vocês: meus parabéns pelo vosso dia, que Deus as protejas de toda maldade do mundo e orai sempre por nós.
Deixo aqui para as mamães a sugestão do livro da chinesa Amy Chua, Grito de guerra da mãe tigre (2011), editora intrínseca. Lemos este livro no mesmo ano que saiu no Brasil, EUA foi em 2010 e me lembro que nos levou a muitos questionamentos sobre como conduzimos a educação de nossos filhos. É a história de como os pais chineses são educadores mais competentes que os ocidentais.
Outra sugestão para o próximo ano é de um cardápio bem fácil pra você fazer pra mamãe.
  Entrada: salpicão de frango tradicional
Aquele churrasco que você sabe fazer, pode ser até de Hamburguer da Sadia, não importa, mamãe vai adorar, e nem precisa ser na churrasqueira, sem Tu, vai de grelha mesmo.
E o Gran finale: Pavê de doce de leite, dos deuses ou melhor do site do GNT.
Receitas:
1.      Salpicão de frango tradicional
1 e ½ xícara (chá) frango defumado desfiado
1 xícara(chá) cenoura ralada grossa
1 xícara ervilha fresca, adoro as da Swift
2 maçãs Fuji pequenas em cubinhos
1 lata de milho verde escorrido
½ xícara (chá) azeitonas picadas
½ xícara (chá) uvas-passas escuras sem sementes
1 xícara (chá) de abacaxi em calda picado
½ cebola em cubinhos
1 dente de alho amassado
2 tomates sem sementes em cubinhos
Para o molho: 1 xícara de maionese, 1 caixa de creme de leite, suco de 1 limão, sal e pimenta-do-reino a gosto, salsinha picada e folhas verdes para decorar.
2.      Pavê de doce de leite
Creme:
1 lata de leite condensado
2 latas leite integral
4 colheres (sopa) maisena
1 colher (sopa) baunilha ou 2 tampinhas
 3 gemas passadas na peneira 1 xícara (chá) creme de leite (coloquei uma caixinha de 200g).
Ponha os ingredientes numa panela e leve ao fogo alto. Mexa bem rápido para não empelotar (use o fouet). Quando estiver consistente, retire do fogo, adicione o creme de leite e reserve.
Para o recheio e cobertura
3 latas de doce de leite ou 800g
1 lata de creme de leite Nestlé.
Junte os dois até o creme ficar homogêneo.
Para o pavê
2 pacotes de biscoito Maria maisena
Leite, açúcar, castanha de caju e amêndoas em lãminas.
Não tinha as duas últimas, usei castanha do Pará fatiada e algumas cerejas.
Misture os biscoitos com o açúcar e o leite, para 1 xícara (chá) de leite, 1 colher (sopa) de açúcar.
Montagem:
Creme
Biscoito
Doce de leite
Sendo a última camada de doce de leite. Finalize com as castanhas.

 


domingo, 5 de maio de 2013

Cada um puxa a brasa para a sua sardinha.

É com este provérbio popular que lhes envio este post.  Como já estou pensando o que irá à mesa em  nosso próximo encontro, faço aqui minhas conjeturas e para temperar um pouquinho mais, acrescento a última crônica de Léon que me foi enviada esta semana. Espero que gostem e comentem. 

Oh, dúvida cruel: comida portuguesa com certeza ou brasileira? Eis a questão?
“Cada um puxa a brasa para sua sardinha”
By Maria Auxiliadora.
A literatura brasileira costuma dar certa importância à culinária, mas em função da fome e dos problemas sociais que o Brasil já passou, é provável que nossa literatura assim como nosso cinema como diz Rubens Ewaldo Filho em O cinema vai à mesa: histórias e receitas (2007) estejam mais voltadas às injustiças socias deixando de lado os prazeres da mesa. O que não significa que não dá pra ter uma idéia do que acontecia na mesa brasileira, prestando atenção aqui e acolá.
Somos um país rico em sabores e heranças culinárias e nisto não há dúvidas e nossos livros procuram traduzir essas heranças ora nos aromas que sentimos, ora na visão da boa mesa. E o incrível é que essa mesa está sempre cheia da culinária mais típica e original do país: a baiana. Perfumada com dendê, pimenta e suas alquimias.
Pimenta sim senhor. Ela que na época do descobrimento tornava suportável o gosto da carne do gado abatido, mantido em sal para o consumo seguinte. Era ela que valia seu peso literalmente em ouro.
Dia 22 de abril de 2013 chegamos a 513 anos de uma cozinha que sofreu influência, primeiro portuguesa, depois indígena, africana e por aí vai, uma cozinha em que algumas das melhores receitas estiveram nas gavetas da esquadra descobridora quando aqui chegou. Mas essa inspiração portuguesa sofreria sim influencia brasileiríssima. A partir desse momento Portugal e Brasil jamais seriam os mesmos, nem seus sabores, nem seus paladares.
Logo os portugueses experimentaram, mas perceberam que a carne, proveniente da çaca não era limpo do seu pelo pele ou escama e quando não comiam tudo cru, cozinhava-se o alimento no moquém, uma espécie de grelha sobre uma fogueira, sistema que viria a ser o hábito mais popular do país: adivinhou? Churrasco, claro.
Segundo Eda Romio em 500 anos de sabor (2000), os índios assavam peixes ainda filhotes em folhas de bananeiras, faziam a pokeka, que depois da contribuição dos escravos, na cozinha das casas grandes seriam transformadas nas deliciosas moquequas.
Na anotação precisa do relato feito por Caminha, os portugueses haviam feito seu primeiro contato com os nativos daquelas terras novas no dia 23 de abril de 1500. Caminha não deixa de registrar seu espanto:
“Eles não lavram, nem criam. Não há aqui boi, nem vaca, nem ovelha, nem cabra, nem galinha, nem qualquer outra alimália que costumada seja ao viver dos homens. Nem comem senão desse inhame, que aqui há muito, e dessa semente e frutos, que a terra e as arvores aqui lançam. E com isto andam tais e tão rígidos e tão nédios, que não o somos tanto, com tanto trigo e legumes comemos.” (500 anos de sabor)
Em A Carne e O Cortiço encontramos exemplo desta culinária que invadira a casa e a mesa portuguesa.
“... E Jerônimo abrasileirou-se. A sua casa perdeu aquele ar sombrio. (...) A revolução afinal foi completa: a aguardente de cana substituiu o vinho; a farinha sucedeu à broa; a carne seca e o feijão preto ao bacalhau com batatas cozidas e cebolas; a pimenta-malagueta invadiu vitoriosamente a sua mesa: o caldo verde, a açorda e o caldo de unto foram repelidos pelos ruivos e gostosos quitutes baianos, pela moquequa pelo vatapá e pelo caruru; a couve à mineira destronou a couve a portuguesa o pirão de fubá ao pão de rala e, desde que o café encheu a casa com seu aroma quente, Jerônimo principiou a achar graça no cheiro do fumo e não tardou a fumar também com os amigos”. (O Cortiço)
Já em A Carne, a mesa é selvagem, repleta da caça, aquela que os índios usaram para se sustentar. Há um cheiro de selva no ar e praticamente a comida que se põe à mesa provém dela.
“O jantar foi alegre.
Louro, coberto de rodelas de limão, apetitoso, tentador, figurou nele o lombo de um dos queixadas. “A peça, nobre, a cabeça, la hure, desossada magistralmente por Barbosa, que, como o velho Dumas, era perito em culinária, campeou em um prato travessa, imponente, majestática, fragrante, cativadora.” (A Carne)
E assim entre uma caça e outra Lenita e Barbosa levam seu romance aguçando os sentidos e a imaginação, fascinando e seduzindo o leitor em fogo baixo, com generosas porções de erotismo.

 E como prometido, a última crônica de Leon:

Aniversário: by Leon Espindola Nozaki
    Numa rua, um sujeito de terno risca-de-giz e gravata azul-escuros caminhava penosamente até uma casa, levando nas mãos uma pasta de escritório, que provavelmente trazia bordado em seu couro marrom “Alguma coisa & Cia”. Em outras palavras, voltava do trabalho.
    Assim que chegou em casa, sua mulher chegou para cumprimentá-lo, o que não era típico. Bateu seu papo comum com sua mulher, ainda estranhando seu comportamento:
    – Como vai? – ela perguntou.
    – Bem. – ele respondeu.
    – Como foi o trabalho?
    – Não mudou nada.
    – Que pena.
    – O que tem de almoço hoje? – disse ele, mudando de assunto.
    – Hoje eu fiz uma macarronada e...
    E continuaram assim, no vaivém da conversa, até que ela lhe perguntou:
    – Que dia é hoje, meu bem?
    Sexta-feira, dia 24 de maio. Mas ele conhecia sua mulher. Ela não perguntava “que dia era”. Ela que dizia “que dia era” pra ele. Era como se houvesse no cérebro dela um calendário atualizado todos os dias. Tudo bem. Talvez ele estivesse exagerando um mínimo. Mas algo estava errado.
    “Vamos, pense” ele disse consigo mesmo. “Que dia é hoje?”
    Natal, páscoa e carnaval não podiam ser. Ele pensou mais fundo. Dia do Datilógrafo. Dia do Vestibulando. Não, ela não podia estar se referindo a isso. Vasculhou mais. Dia do Preso. Dia do Trabalhador Rural. “Mais fundo” disse para si mesmo. Abriu gavetas, tirou o pó de arquivos esquecidos, e nada. Só se... Claro! Como ele não tinha se lembrado? Que falta de consideração com ela! O Vasco iria jogar contra o Verdão naquele dia! Ele era palmeirense e ela torcia pelo Vasco! Só podia ser isso! Ou talvez a estreia de uma novela qualquer. E agora, o que seria? A curiosidade o venceu e ele disse:
    – Não sei. Quero dizer, 24 de maio, mas o que tem de especial hoje?
    O sorriso dela vacilou. Seu rosto assumiu uma expressão séria, quase brava, daquele tipo que quer dizer “NÃO SE LEMBRA? COMO NÃO SE LEMBRA? SEU PALERMA!”, mas sem a graça da pessoa ficando com o rosto vermelho e agitando os braços, parecendo um avestruz vermelho-raro muito bravo por não conseguir voar.
    – Não se lembra? Que tal dar um passeio para tentar lembrar. – ela disse seca e friamente, embora parecesse a um passo de virar aquele avestruz. Ela o empurrou para a rua e bateu a porta. Ele podia ouvir lá de fora os berros da Super-Mulher Avestruz Vermelha, esganiçados e agudos. Decidiu pegar o carro, e ir dar uma volta para refrescar a cabeça.
                                                           * * *
    Nessa volta ele lembrou que 24 de maio era o dia em que o tataravô dele morrera. Lembrou também, que fora o dia em que seu pai se formou. E o mais importante: era o aniversário de sua mulher. Como ele o havia esquecido, não sabia. Entendeu então a repentina transformação de sua mulher em super-avestruz ruiva e esganiçada. Quando já havia se distanciado alguns quilômetros de sua casa, parou em uma loja. Resolveu que se comprasse alguma coisa, qualquer coisa que fosse a melhor, sua mulher se acalmaria.
    – Bom dia. – disse um velinho no balcão, embora o dia não parecesse lá muito bom para ele. – O senhor deseja algo?
    – Qual é a melhor coisa desta loja?
    O velhinho apontou uma caixinha de música velha e suja. Mas, no topo da caixinha havia uma bailarina. E no topo da bailarina, havia um anel. E no topo do anel, havia, bem, havia poeira. Então ele focalizou o anel, caminhou até lá e tirou o pó dele. Uma joia cintilou como se acordasse.
    – Quanto custa?
    – Cem.
    Ele pagou e se dirigiu ao carro. No caminho, escorregou numa poça de óleo. O anel escorregou de sua mão, foi para um bueiro e era uma vez um anel. Então voltou na loja.
    – Tinha outro igual àquele? – perguntou ao velinho.
    O velinho apontou impaciente para um relógio cuco.
    Ele foi ao relógio, passou a mão em cima: poeira. Passou a mão em baixo: poeira. Passou a mão em cima de novo. Nada. Resolveu espiar o meio. Na mesma hora saiu o cuco e o esbofeteou no nariz. Então um anel caiu. O moço pagou ao velho e segue em direção ao carro, tomando cuidado com poças de óleo. Carneirinho, carneirão, olhai pro céu, olhai pro chão. E olhai pra frente. O homem deu de cara com uma árvore, e derrubou o anel, que rolou pro bueiro.  Voltou à loja.
    – Hãã... – disse meio sem jeito.
    O velhinho apontou um armário. Ele seguiu até o armário e tirou de lá um anel. Porém, quando foi pagar estava sem dinheiro. E agora! O que ele ia fazer? Então chegou uma moça muito bonita, que abriu a boca e emitiu um som parecido com um despertador.
                                                                         * * *
Ele acordou, deu um beijo em sua mulher, lhe desejou um feliz aniversário, e foi trabalhar. Enquanto isso suspirava aliviado por não ter se metido na enrascada do seu sonho