domingo, 5 de maio de 2013

Cada um puxa a brasa para a sua sardinha.

É com este provérbio popular que lhes envio este post.  Como já estou pensando o que irá à mesa em  nosso próximo encontro, faço aqui minhas conjeturas e para temperar um pouquinho mais, acrescento a última crônica de Léon que me foi enviada esta semana. Espero que gostem e comentem. 

Oh, dúvida cruel: comida portuguesa com certeza ou brasileira? Eis a questão?
“Cada um puxa a brasa para sua sardinha”
By Maria Auxiliadora.
A literatura brasileira costuma dar certa importância à culinária, mas em função da fome e dos problemas sociais que o Brasil já passou, é provável que nossa literatura assim como nosso cinema como diz Rubens Ewaldo Filho em O cinema vai à mesa: histórias e receitas (2007) estejam mais voltadas às injustiças socias deixando de lado os prazeres da mesa. O que não significa que não dá pra ter uma idéia do que acontecia na mesa brasileira, prestando atenção aqui e acolá.
Somos um país rico em sabores e heranças culinárias e nisto não há dúvidas e nossos livros procuram traduzir essas heranças ora nos aromas que sentimos, ora na visão da boa mesa. E o incrível é que essa mesa está sempre cheia da culinária mais típica e original do país: a baiana. Perfumada com dendê, pimenta e suas alquimias.
Pimenta sim senhor. Ela que na época do descobrimento tornava suportável o gosto da carne do gado abatido, mantido em sal para o consumo seguinte. Era ela que valia seu peso literalmente em ouro.
Dia 22 de abril de 2013 chegamos a 513 anos de uma cozinha que sofreu influência, primeiro portuguesa, depois indígena, africana e por aí vai, uma cozinha em que algumas das melhores receitas estiveram nas gavetas da esquadra descobridora quando aqui chegou. Mas essa inspiração portuguesa sofreria sim influencia brasileiríssima. A partir desse momento Portugal e Brasil jamais seriam os mesmos, nem seus sabores, nem seus paladares.
Logo os portugueses experimentaram, mas perceberam que a carne, proveniente da çaca não era limpo do seu pelo pele ou escama e quando não comiam tudo cru, cozinhava-se o alimento no moquém, uma espécie de grelha sobre uma fogueira, sistema que viria a ser o hábito mais popular do país: adivinhou? Churrasco, claro.
Segundo Eda Romio em 500 anos de sabor (2000), os índios assavam peixes ainda filhotes em folhas de bananeiras, faziam a pokeka, que depois da contribuição dos escravos, na cozinha das casas grandes seriam transformadas nas deliciosas moquequas.
Na anotação precisa do relato feito por Caminha, os portugueses haviam feito seu primeiro contato com os nativos daquelas terras novas no dia 23 de abril de 1500. Caminha não deixa de registrar seu espanto:
“Eles não lavram, nem criam. Não há aqui boi, nem vaca, nem ovelha, nem cabra, nem galinha, nem qualquer outra alimália que costumada seja ao viver dos homens. Nem comem senão desse inhame, que aqui há muito, e dessa semente e frutos, que a terra e as arvores aqui lançam. E com isto andam tais e tão rígidos e tão nédios, que não o somos tanto, com tanto trigo e legumes comemos.” (500 anos de sabor)
Em A Carne e O Cortiço encontramos exemplo desta culinária que invadira a casa e a mesa portuguesa.
“... E Jerônimo abrasileirou-se. A sua casa perdeu aquele ar sombrio. (...) A revolução afinal foi completa: a aguardente de cana substituiu o vinho; a farinha sucedeu à broa; a carne seca e o feijão preto ao bacalhau com batatas cozidas e cebolas; a pimenta-malagueta invadiu vitoriosamente a sua mesa: o caldo verde, a açorda e o caldo de unto foram repelidos pelos ruivos e gostosos quitutes baianos, pela moquequa pelo vatapá e pelo caruru; a couve à mineira destronou a couve a portuguesa o pirão de fubá ao pão de rala e, desde que o café encheu a casa com seu aroma quente, Jerônimo principiou a achar graça no cheiro do fumo e não tardou a fumar também com os amigos”. (O Cortiço)
Já em A Carne, a mesa é selvagem, repleta da caça, aquela que os índios usaram para se sustentar. Há um cheiro de selva no ar e praticamente a comida que se põe à mesa provém dela.
“O jantar foi alegre.
Louro, coberto de rodelas de limão, apetitoso, tentador, figurou nele o lombo de um dos queixadas. “A peça, nobre, a cabeça, la hure, desossada magistralmente por Barbosa, que, como o velho Dumas, era perito em culinária, campeou em um prato travessa, imponente, majestática, fragrante, cativadora.” (A Carne)
E assim entre uma caça e outra Lenita e Barbosa levam seu romance aguçando os sentidos e a imaginação, fascinando e seduzindo o leitor em fogo baixo, com generosas porções de erotismo.

 E como prometido, a última crônica de Leon:

Aniversário: by Leon Espindola Nozaki
    Numa rua, um sujeito de terno risca-de-giz e gravata azul-escuros caminhava penosamente até uma casa, levando nas mãos uma pasta de escritório, que provavelmente trazia bordado em seu couro marrom “Alguma coisa & Cia”. Em outras palavras, voltava do trabalho.
    Assim que chegou em casa, sua mulher chegou para cumprimentá-lo, o que não era típico. Bateu seu papo comum com sua mulher, ainda estranhando seu comportamento:
    – Como vai? – ela perguntou.
    – Bem. – ele respondeu.
    – Como foi o trabalho?
    – Não mudou nada.
    – Que pena.
    – O que tem de almoço hoje? – disse ele, mudando de assunto.
    – Hoje eu fiz uma macarronada e...
    E continuaram assim, no vaivém da conversa, até que ela lhe perguntou:
    – Que dia é hoje, meu bem?
    Sexta-feira, dia 24 de maio. Mas ele conhecia sua mulher. Ela não perguntava “que dia era”. Ela que dizia “que dia era” pra ele. Era como se houvesse no cérebro dela um calendário atualizado todos os dias. Tudo bem. Talvez ele estivesse exagerando um mínimo. Mas algo estava errado.
    “Vamos, pense” ele disse consigo mesmo. “Que dia é hoje?”
    Natal, páscoa e carnaval não podiam ser. Ele pensou mais fundo. Dia do Datilógrafo. Dia do Vestibulando. Não, ela não podia estar se referindo a isso. Vasculhou mais. Dia do Preso. Dia do Trabalhador Rural. “Mais fundo” disse para si mesmo. Abriu gavetas, tirou o pó de arquivos esquecidos, e nada. Só se... Claro! Como ele não tinha se lembrado? Que falta de consideração com ela! O Vasco iria jogar contra o Verdão naquele dia! Ele era palmeirense e ela torcia pelo Vasco! Só podia ser isso! Ou talvez a estreia de uma novela qualquer. E agora, o que seria? A curiosidade o venceu e ele disse:
    – Não sei. Quero dizer, 24 de maio, mas o que tem de especial hoje?
    O sorriso dela vacilou. Seu rosto assumiu uma expressão séria, quase brava, daquele tipo que quer dizer “NÃO SE LEMBRA? COMO NÃO SE LEMBRA? SEU PALERMA!”, mas sem a graça da pessoa ficando com o rosto vermelho e agitando os braços, parecendo um avestruz vermelho-raro muito bravo por não conseguir voar.
    – Não se lembra? Que tal dar um passeio para tentar lembrar. – ela disse seca e friamente, embora parecesse a um passo de virar aquele avestruz. Ela o empurrou para a rua e bateu a porta. Ele podia ouvir lá de fora os berros da Super-Mulher Avestruz Vermelha, esganiçados e agudos. Decidiu pegar o carro, e ir dar uma volta para refrescar a cabeça.
                                                           * * *
    Nessa volta ele lembrou que 24 de maio era o dia em que o tataravô dele morrera. Lembrou também, que fora o dia em que seu pai se formou. E o mais importante: era o aniversário de sua mulher. Como ele o havia esquecido, não sabia. Entendeu então a repentina transformação de sua mulher em super-avestruz ruiva e esganiçada. Quando já havia se distanciado alguns quilômetros de sua casa, parou em uma loja. Resolveu que se comprasse alguma coisa, qualquer coisa que fosse a melhor, sua mulher se acalmaria.
    – Bom dia. – disse um velinho no balcão, embora o dia não parecesse lá muito bom para ele. – O senhor deseja algo?
    – Qual é a melhor coisa desta loja?
    O velhinho apontou uma caixinha de música velha e suja. Mas, no topo da caixinha havia uma bailarina. E no topo da bailarina, havia um anel. E no topo do anel, havia, bem, havia poeira. Então ele focalizou o anel, caminhou até lá e tirou o pó dele. Uma joia cintilou como se acordasse.
    – Quanto custa?
    – Cem.
    Ele pagou e se dirigiu ao carro. No caminho, escorregou numa poça de óleo. O anel escorregou de sua mão, foi para um bueiro e era uma vez um anel. Então voltou na loja.
    – Tinha outro igual àquele? – perguntou ao velinho.
    O velinho apontou impaciente para um relógio cuco.
    Ele foi ao relógio, passou a mão em cima: poeira. Passou a mão em baixo: poeira. Passou a mão em cima de novo. Nada. Resolveu espiar o meio. Na mesma hora saiu o cuco e o esbofeteou no nariz. Então um anel caiu. O moço pagou ao velho e segue em direção ao carro, tomando cuidado com poças de óleo. Carneirinho, carneirão, olhai pro céu, olhai pro chão. E olhai pra frente. O homem deu de cara com uma árvore, e derrubou o anel, que rolou pro bueiro.  Voltou à loja.
    – Hãã... – disse meio sem jeito.
    O velhinho apontou um armário. Ele seguiu até o armário e tirou de lá um anel. Porém, quando foi pagar estava sem dinheiro. E agora! O que ele ia fazer? Então chegou uma moça muito bonita, que abriu a boca e emitiu um som parecido com um despertador.
                                                                         * * *
Ele acordou, deu um beijo em sua mulher, lhe desejou um feliz aniversário, e foi trabalhar. Enquanto isso suspirava aliviado por não ter se metido na enrascada do seu sonho

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