Não sou medroso, não sou corajoso. Ponte, nunca atravessei nenhuma. Mas conheço um homem corajoso, que, apesar das circunstâncias, resolveu cair nos braços do destino e atravessar certa ponte. Quando digo cair, digo não no sentido figurado, mas no literal.
O que sucedeu foi que duas senhoras; senhoras mesmo, de bengalinha, dentadura; se encontraram em uma ponte para atravessar.
– Você primeiro. – disse uma.
– Não, vá você. – a outra disse.
– Você, por favor. – a outra insistiu.
– Vá, eu lhe peço. – a outra respondeu.
– Por favor, vá à frente.
– Ora essa. Não precisa ser tão gentil. Estou lhe pedindo que vá.
– Primeiro as mais velhas.
– Quantos anos você tem?
– Setenta.
– Então vá à frente, por obséquio.
– Quantos anos você tem?
– Sessenta e nove anos e vinte e quatro meses.
– Ora essa! Pensa que me engana? Você tem setenta e um anos! Vá à frente.
– Não tenho não, já lhe disse senhora, que eu tenho sessenta e nove anos e vinte e quatro meses.
– Os mais novos primeiro, então.
– Eu tenho setenta e um anos. Pode ir atravessando que palavra não tem volta.
– Agora você admite!
– Admitir o que? Essa é a minha idade. Vamos, andando.
– Eu que não! Vá você!
– Eu não! Se você não vai, por que logo eu?
– Vá! Ande que tenho coisas para fazer!
– Também tenho! Ande e vá à frente, se você é mulher!
– Sou mulher não, sou senhora.
– Você entendeu o que eu disse! Vá que minha filha está esperando por mim! Se eu não chegar, ela vai se aborrecer.
– Vá.
– Vá você!
– Eu que o diga.
Eis, então, que chegou meu conhecido para resolver o dilema.
– Eu vou! – ele exclama certo de estar fazendo uma boa ação para a humanidade.
Ele dá o primeiro passo, sem cair; ele dá o segundo passo, em segurança; ele dá o terceiro passo. Êxito!
– Viram só? – ele diz, começando a avançar tranquilamente. É seguro...
Ele não teve tempo de terminar. Nesse momento, a madeira cedeu sobre o peso daquele homem gorducho. O fato de ele ser gorducho o salvou de despencar; pois, em vez disso, ele entalou.
– Quem te ajudou? – perguntei.
– Ninguém. As senhoras ficaram discutindo quem devia atravessar. Depois de um tempo, um cidadão tentou me ajudar. No fim, ele também ficou entalado. Uma moça passou e ligou para o corpo de bombeiros. Eles não conseguiram. Tivemos que chamar o...
– Tá bom, tá bom; já entendi.